Foco na Mídia

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quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Intervenção militar, Ditadura e Mídia.

Capa do Jornal do Brasil de 20 de março de 1964

Não foi a primeira vez que parte da sociedade brasileira pediu intervenção às Forças Armadas.

Obviamente o número de cidadãos que deseja a volta da Ditadura é inexpressivo e a atual situação política permite que essa ideia seja manifestada sem maiores consequências.

A Democracia brasileira é estável e até mesmo o PSDB, que em certa medida representa a Direita presente na Av. Paulista esse sábado, rechaçou os alucinados pedidos de intervenção militar.

Sorte dos democratas.

O acontecimento despertou minha curiosidade.

As feridas da Ditadura continuam abertas na mentalidade brasileira.

É um tema mal resolvido historicamente. Enquanto uns abominam completamente o regime, outros o exaltam. Essa contradição demonstra como o país não superou os 20 anos de Ditadura.

Falta um consenso histórico que defina o que realmente aconteceu. Ditaduras como a espanhola, por exemplo, terminaram e foram varridas de ruas, praças e estradas para sempre.

Depois da morte de Franco, os espanhóis viraram a página e começaram um país do zero, convocando uma Assembleia Constituinte Exclusiva, algo que não tivemos com o fim do regime ditatorial.

O Brasil escolheu outro caminho. A abertura lenta, segura e gradual. Por isso ainda temos espaços públicos que homenageiam quem merece ser esquecido.

Castelo Branco, Elevado Costa e Silva são somente dois exemplos que demonstram a dificuldade de esquecer e avançar.

Cada cidadão vê o regime de uma forma, então é recomendável escrever sobre o tema em primeira pessoa, pois minha percepção pode ser diferente da sua, leitor.

A verdade é que os atuais pedidos de intervenção militar tiveram resultados completamente diferentes que os de 1964, por uma questão de momento histórico.

A manifestação do sábado foi até ridicularizada, o que demonstra a segurança que a sociedade sente no sistema político democrático.

Como esquecer a famosa “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, que reuniu mais de 500 mil pessoas em São Paulo e completou meio século no ano passado?

Hoje sabemos que essa manifestação foi apoiada por setores da elite empresarial-militar que queriam a queda de João Goulart.

A Guerra Fria foi a grande percussora das Ditaduras na América Latina.

Depois de perder Cuba, os Estados Unidos simplesmente não poderiam deixar mais territórios de seu continente nas mãos da URSS, se quisessem vencer a guerra.

Por isso a articulação do Golpe foi feita com extrema frieza, perfeita logística e com o apoio dos americanos - detalhe que não aconteceu no século XXI, pois a Casa Branca recusou os pedidos de Impeachment feitos por brasileiros pela Internet.

Nos anos 60, mídia, empresariado, americanos e militares fariam de tudo para evitar uma ascensão comunista no Brasil.

Alguns grupos, como a Aliança Nacional Libertadora, de Carlos Marigghela, que completou 100 anos em 2011, realmente desejavam uma Revolução do proletariado no Brasil.

Entretanto, a articulação desse movimento sempre foi muito inferior à contrária, então a possibilidade de um Golpe Comunista era infinitamente menor que de um Militar.

Outro detalhe que não se repetiu no século XXI foi o apoio da mídia.

Os jornais fizeram coberturas da manifestação do sábado que geraram perseguições a jornalistas na Internet, em atos de represália que lembram perfeitamente os tempos de censura no Brasil.

No passado, por outro lado, vários jornais foram decisivos ao apoiar a queda de João Goulart – clique aqui para ler o editorial de O Globo que comemora o Golpe Militar.

Meio século depois, porém, a mesma Rede Globo aproveitou o contexto das manifestações do ano passado para declarar que o apoio ao Regime “foi um erro”.

Folha e Estadão nunca se pronunciaram explicitamente.

Não há dúvidas de que as empresas jornalísticas conservadoras foram favorecidas durante o Regime Militar.

Quem tinha “amigos” entre os militares, como o jornalista Roberto Marinho, facilmente conseguia uma concessão de televisão ou de rádio.

Por outro lado, os jornalistas progressistas eram exilados e seus meios de comunicação fechados.

Essa diferença de tratamento segundo ideologia condicionou completamente a oferta informativa que existe hoje.

Com a saída de jornalistas e meios de comunicação progressistas, o caminho e o mercado ficaram livres para os conservadores, que habilmente conseguiram estender seus conglomerados de mídia formando o oligopólio que atualmente domina a oferta informativa do país.

Independente desses detalhes, como os jornais brasileiros cobriram os pedidos de intervenção do sábado como algo inesperado e não corriqueiro, temos claro um sinal de avanço na Democracia do país.

Os problemas democráticos são resolvidos com mais Democracia, não menos, o que já é um motivo para comemorar.

É preciso, portanto, avançar mais. Superar esse período negro que tanto contribuiu para o aumento da desigualdade social e da corrupção no país.

Ano que vem a Democracia completa 30 anos.


É a situação perfeita para criar um consenso entre historiadores, apagar o nome de Ditadores de espaços públicos e buscar outras formas de eliminar, finalmente, esse fantasma que ainda corrói mentes e corações dos cidadãos brasileiros.

Um comentário:

  1. Uma coisa é a História da Ditadura no Brasil, outra coisa é a História das Percepções sobre a Ditadura e este é um embate que eu pessoalmente já enfrentei. Não adianta argumentar que a ditadura foi ruim para o país, para aqueles que se beneficiaram dela. A questão que mata qualquer discussão é quando entramos no âmbito dos direitos e das arbitrariedades cometidas. Os favoráveis argumentam que só os comunistas sofreram perseguição, os cidadãos de bem não. O problema é que eles desconhecem outras arbitrariedades, como por exemplo as nomeações biônicas para cargos públicos que aparelharam a máquina estatal. A ausência de licitações em obras públicas que criaram fluxos quase infinitos de desvios de verbas e superfaturamentos, a censura dos meios de comunicação (não apenas os de oposição que não foram censurados, mas fechados, como também os da situação que não podiam abordar certos assuntos como corrupção, fraude, abuso de poder, etc).
    A questão da percepção no debate político (que está mais para embate) não deve ser negligenciada, mas tampouco pautar o tema. A percepção é algo que se modifica de pessoa para pessoa e de tempos em tempos. Para eles, a ditadura foi boa, o Brasil tinha investimentos em infra-estrutura e estabilidade econômica (ao menos durante o ^milagre^). O que importa nesta discussão é a questão dos direitos de todos os cidadãos, que foram solapados, suprimidos e ridicularizados ao ponto de hoje, não sabermos distinguir as diferenças entre um Estado Democrático de Direitos e um Estado Terrorista. Abraços

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